Quem escuta Karina Caciola dizer que passou em primeiro lugar no curso de medicina da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) se espanta com a calma da jovem de 20 anos. Em vez de euforia, a estudante demonstra uma alegria serena.
Sua atitude evidencia duas características importantes para a aprovação em um vestibular que, neste ano, tinha 125 candidatos por vaga: autoconfiança e paciência.
Karina encarou dois anos de cursinho, jornadas intermináveis de estudo e saudades dos pais e dos amigos — ela se mudou da casa dos pais, na zona norte de São Paulo, para a casa da tia, na zona sul, para ficar mais perto do cursinho.
Já a autoconfiança se revelou na insistência em cursar medicina em uma universidade pública na capital paulista.
Nos últimos três anos, a jovem foi aprovada duas vezes na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em cursos de engenharia, pelo Sisu (Sistema de Seleção Unificada), e em medicina na UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro) e na Santa Casa, instituição paulistana que é particular.
Sonho de criança
“Não sei ao certo de onde veio esta vontade de ser médica. Tenho isso comigo desde o fim do ensino fundamental. Não me vejo fazendo nada diferente. Pelo Enem [Exame Nacional do Ensino Médio], passei duas vezes em engenharia na UFRJ, mas nem cogitei cursar”, conta.
Quanto às duas vezes que passou em medicina, Karina teve a tranquilidade de insistir mais um pouco no cursinho para, finalmente, entrar na faculdade que escolheu.
“A UFTM fica em Minas Gerais e achei que poderia ficar em São Paulo mesmo, perto da minha família. Já a Santa Casa, meus pais não teriam condições de pagar. Talvez com o Fies [programa federal de financiamento estudantil]. Mas era mais seguro tentar uma pública”, explica.
Bancar uma faculdade particular seria um fardo para a família Caciola — não eles sejam pobres, mas estão longe de ter dinheiro para arcar com uma mensalidade que girava em torno de R$ 4.000 na época. O pai tem formação técnica e é proprietário de uma pequena empresa de consultoria de informática. Para complementar a renda, é fotógrafo.
A mãe, que também não tem diploma superior, chegou a trabalhar como bancária, mas largou o emprego quando Karina, sua única filha, nasceu. Os três moram em um apartamento no Parque Novo Mundo, zona norte de São Paulo.
Karina estudou até o 9º ano em uma pequena escola particular no seu bairro. No ensino médio, transferiu-se para um colégio que priorizava o vestibular, no bairro vizinho do Tatuapé. Ao final do 3º ano, a jovem fez o Enem e prestou uma série de vestibulares para Medicina.
Apesar da boa pontuação, não passou em nenhuma universidade pública em São Paulo. Foi então que fez um ano de cursinho, com bolsa de estudos, morando ainda com seus pais. De novo, a pontuação não foi suficiente.
Ela decidiu, então, estudar em um cursinho com turmas especializadas no vestibular de medicina, o Poliedro. Com pena da filha que precisava atravessar a cidade todos os dias, Lourdes Caciola incentivou a menina a morar com uma tia, na Chácara Klabin, zona sul da cidade, a poucos metros da escola em que se matriculou, também com bolsa.
“Foi difícil pra mim. Filho nunca cresce pra gente. Fiquei sem controle de nada. Se estava com dor de cabeça, o que estava comendo, se estava agasalhada”, conta Lourdes.
Karina quase não se encontrava com a tia. Chegava segunda de manhã no cursinho, vinda direto de casa, colocava a mala de roupas limpas sob a carteira e começava, às 6h45, sua jornada de estudos que só acabava às 21h30. Tudo isso, no prédio do cursinho.
Meu lazer era dormir
“Eu acho que o meu segredo é a determinação e a persistência. Eu ia para o cursinho e tomava café da manhã por lá. Almoçava em 15, 20 minutos. Voltava a estudar. Estudava de sábado, de domingo. Não tinha trégua”, conta.
“Neste último ano, não tive lazer. Meu lazer era dormir. Deixei meus amigos de lado. Eles até pararam de me chamar. Agora que eu estou revendo todo o pessoal. Mas, valeu muito a pena”, completa.
Agora, nesse intervalo até o início das aulas, Karina quer rever a turma, voltar a tocar piano e assistir aos seriados de TV de que tanto gosta. Daqui alguns dias, ela vai iniciar o curso de medicina com a mesma paciência e confiança que teve no cursinho. Claro que ela está muito feliz, mas a jovem deixa a euforia para a mãe.
“Minha ficha não caiu ainda. Estou sem ar. Entro no elevador do prédio e conto para minhas vizinhas que minha filha passou no vestibular, em medicina, numa universidade pública e em primeiro lugar. É um presente para mim”, não se cansa de falar, orgulhosa, dona Lourdes.